Sobre as relações de amor e ódio com o ato de pechinchar e o prazer das compras barganhadas em mercados mundo afora.
Tenho zero tino comercial desde que vim para esse mundo. Nunca soube negociar salário nos meus tempos de CLT, não soube monetizar meu blog, até hoje não sei negociar direito meus frilas. Talvez por isso mesmo eu sempre tenha odiado pechinchar para conseguir qualquer coisa. Não acho um processo natural e fico sempre admirada quando alguém me diz que “pechinchar é a melhor parte de comprar nos grandes mercados do mundo”. O máximo que meu cérebro aceita fazer sem stress, em geral, é, se um cara oferece um chaveirinho por 3, eu dizer tipo: “tá, então eu levo quatro por 10, ok?”.
Mas daí a gente viaja para lugares com mercados super tradicionais, em culturas em que pechinchar é a alma do negócio e tem que, pouco a pouco, aprender a entrar no jogo da coisa. Quando fui para a Tunísia, achava divertido a brincadeira de sempre oferecerem não sei quantos mil camelos pro homem que te acompanha e tal mas não consegui entrar no clima da pechincha nos souqs. Tentei no ano seguinte na Tailândia, e até consegui uma ou outra vez, mas toda a pressão da negociação me tirava boa parte da vontade de comprar. Mesmo na minha primeira vez no Marrocos, anos depois, até hoje lembro a felicidade minha e da minha irmã ao encontrarmos os dizeres FIXED PRICE numa das barracas do souq depois de dias de negociações exaustivas (tipo bad cop, good cop, com uma negociando e fingindo forçar a compra e a outra fingindo que achava idiotice, tudo caro etc) em outros lugares.
Foi somente na minha primeira vez em Istambul que comecei a entrar no clima; entendi que o processo de “pechincha” nos mercados pode ser também uma ótima maneira de conhecer um povo, uma cultura, através das excelentes conversas que podem derivar de uma negociação. E hoje me arrisco a trazer pra casa quinquilharias barganhadas em mercados da Turquia, Egito, Jordânia, Bali e até do próprio Marrocos.
A minhas “técnicas” básicas são duas:
1) saber de cor e salteado quanto vale a moeda local para não ficar fazendo contas (ou me confundindo com números) em plena negociação
2) estabelecer na minha cabeça quanto eu quero pagar por aquela peça antes de iniciar a negociação (quanto eu acho que ela realmente VALE), propor um pouco menos do que QUERO pagar e não fugir desse valor nem por um segundo. A gente sabe que os caras vão propor um preço muito mais alto que o valor da peça em si, mas não adianta esperar ele dizer quanto vale para pedir a metade. Acho que é o quanto aquela peça vale pra mim que importa. Entre um papo e outro, um café árabe ou turco e uma receita trocada, tem dado certo 😉
Outras técnicas que acho válidas também, seja onde for o mercado em questão (inclusive no Brasil), são:
1) Educação, sempre. Ou seja, antes de mais nada, cumprimente o vendedor. Um sorriso e um bom dia (de preferência na língua local) antes de tascar o clássico “How much?” , Aliás, a boa articulação costuma render sempre: tem mais futuro uma negociação que começa com “quanto você está pedindo por essa peça?” do que a que começa com o seco “quanto?”. Não existe fórmula fixa, mas se ele te perguntar de volta “quanto você quer pagar”, responda de novo com a mesma pergunta: “quanto você está pedindo por ela?”. Deixe sempre que o vendedor dê o primeiro preço.
2) Tenha dinheiro cash, e em notas menores, de preferência. Não adianta pechinchar um negócio até chegar em dois dinheiros e querer que o cara te dê de boa troco para 100.
Quanto ao timming.. A tradição chinesa por exemplo diz que se o primeiro cliente do dia não sair satisfeito/comprando alguma coisa, o comerciante terá azar no restante do dia. Por essas e outras em Cingapura sempre preferia comprar as bugigangas logo pela manhã.. Embora eles não falem/mencionem nada disso, quando você chega cedo e menciona na negociação que você é o “first costumer” e que se você for embora sem comprar ele terá “no luck” você sempre consegue mais desconto..
uia, que legal; não sabia essa de mencionar que é o primeiro cliente e sugerir o azar. Ainda bem que em Chinatown só fiz comprinhas nas lojas de preço fixo. Na próxima, já sei 😉
Mari, eu acabo sempre sendo a bad cop e prefiro a sentir que fui passada para trás, mas confesso que não gosto e que cansa. Adorei suas dicas e acho muito válido para esses destinos árabes/orientais. Quanto a mim, procuro me armar do melhor sorriso e paciência, especialmente em compras maiores, como tapetes. Em compras menores eu acabo não dando o meu melhor como negociadora.
Agora, Marrocos…Me deu preguiça até agora, ôxe. Tanta coisa linda, tanta chatice…
Um beijo!
preguiça mesmo, Emília!
Marizinha, como você não tenho muita paciência pra pechinchar. E, também prefiro o Spice Bazar, em Istambul, ao Grand Bazaar, onde compro temperos com os vendedores que “empurram” menos.
A única “artimanha” que uso, é não mostrar interesse inicial na peça que mais gostei, pergunto por outras, e depois aponto a que gostei de fato, às vêzes funciona 😉 Também peço desconto se levo várias. Isso dá certo no Arasta Bazaar, em Istambul. Adoro as lojinhas de museu que já estão com etiquetas com preço, como o Topkapi.
hahaha o “não tô nem aí” é boa técnica mesmo. Vou tentar no Arasta Bazaar na próxima ida à Turquia 😉
Mari, somos duas hahaha! E como nunca fui para estes países, fico imaginando a preguiça de negociar rsrs… ainda bem que tenho o Mike que adora fazer isto 🙂 Post muito legal, adorei!
Mari,
O bom humor/simpatia/cara de pau (que de certa forma vai de encontro à técnica número 1) costuma funcionar nas minhas negociações. É um teatro, né? Eu tento entrar na onda. Fingir interesse em 3, 4 produtos diferentes também é uma boa. Depois que o vendedor passa o preço total, eu volto a martelar no preço unitário. E se eu quero comprar o vaso azul, mostro interesse pelo verde.
O lugar mais difícil foi a Índia. Os indianos são muito insistentes (chatos) e na baixa temporada ficam desesperados para vender. Uma vez tomei chá, refrigerante, conheci a família, peguei bebê no colo, visitei o estoque, inventei defeito (costuma render uns descontos). Passamos 3h na loja, mas levei a peça que eu queria e paguei muito menos do que pretendia 🙂
hahaha boa, Lucila! Nunca fui à Índia (infelizmente ainda não) mas já tô anotando a dica para quando for 😉
Mari, odeio pechinchar. Fico aperreado até em lugares onde os táxis não tem taxímetro. Dá vontade até de pagar alguém para negociar por mim. Mas aí teria que pechinchar com esse prestador de serviço. 😉
hahahaha verdade, Arthur! e, ó, também ODEIO táxis sem taxímetro, putzgrila!
Eu continuo desempenhando bem meu papel de bad cop aprendido no Marrocos!!
Mas agora com a sorte do namô ter certo sangue árabe pras negociações, porque realmente se depender de mim… fico sem comprar. Normalmente conversamos antes e decidimos antes quanto estamos dispostos a pagar por algo e só compramos se sai realmente por esse preço.
Além do tradicional mercado de domingo espanhol (rastro), aqui em Canárias tem muita loja de hindu que funciona um pouco no esquema marroquino: vendedor pede um preço, você oferece menos, ele faz cara de ofendido mas no fim acaba vendendo pelo preço que você queria 😉
Adoro uma pechincha e pratico sempre. Me achava bam-bam-bam na coisa , mas confesso que aprendi muitas técnicas no post e nos comentários.
Carmem, deixa suas técnicas bam bam bam aqui pra gente aprender também! 😉